quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Quando o tecnicismo se sobrepõe ao humanismo

* Daniella Maria de Oliveira Varela

É de conhecimento público a situação de médicos brasileiros e estrangeiros formados em Universidades no exterior que de regresso ao seu país encontram a quase que intransponível barreira de atuar na profissão que escolheram e se dedicaram durante anos, longe da família, amigos e da sua terra natal.

Muitos têm na ponta da língua a pergunta: “Se é para passar por isso, por que foram?” Julgando pelo conhecimento de causa, já que ocorreu na minha família, com minha irmã caçula no auge do seu idealismo juvenil, afirmo que a escolha foi motivada pelo sonho de uma proposta de medicina preventiva que poderia colaborar bastante, quem sabe até mudar, a realidade da população mais carente do Brasil em relação à saúde.

Pois bem, diante dessa batalha, depois de passar em sexto lugar em um concurso de residência médica em Brasília no Hospital de Base, ser aprovada e classificada em concurso da Secretaria de Estado de Saúde do DF e não poder assumir em ambos, por não ter seu diploma revalidado é mostrar sua competência concorrendo com outros colegas formados no Brasil .

Eis que depois de um ano de preparação de dedicação exclusiva para a prova de revalidação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) aconteceu um imprevisto: após tomar as medidas de segurança necessárias, como desligar e guardar em envelope lacrado o celular, o mesmo aciona o seu despertador e ela é eliminada do concurso, que ocorre apenas uma vez por ano. Um fiscal burocrata e inflexível da Coordenação de Concursos e Exames Vestibulares da UFMT (ORGANIZADORA DA PROVA) que não se compadeceu diante dos apelos chorosos e desesperados de uma médica e nem mesmo do diretor da própria instituição (que por sinal é médico) usando uma expressão no mínimo infeliz e absolutamente verídica: “Hoje quem manda aqui sou eu, está no edital não pode haver ruídos, você está eliminada”.

Quando o tecnicismo sobrepõe o humanismo só resta chorar: pelo Brasil, pela amargura que corrói a solidariedade como ferrugem, pela pobreza humana, pelo poder dado a pessoas medíocres, tiranas e ignorantes.

Hoje foi um dia triste na vida de uma médica, condenada por ter se formado no exterior, em um país que oferece formação visando a prevenção e não o trato de doenças já instaladas, uma médica da família,humanista, generosa, competente e patriota.

Hoje foi um dia que um fiscal de provas de mais ou menos uns quarenta anos demonstrou que não é panela velha que faz comida boa, e que pouco poder nas mãos erradas pode fazer grandes estragos na vida de batalhadores, brasileiros pró-ativos que poderiam fazer grande diferença na precariedade da saúde do Brasil.

Fico triste com pessoas inflexíveis, intolerantes que acham que a norma é dura e só tem efeitos punitivos e deve ser seguida ao pé da letra. Há o bom senso dentro de qualquer norma, mas só pessoas instruídas emocionalmente e intelectualmente sabem conciliar isso, como por exemplo o diretor e médico Aristides Nasser, humanista de formação, especialista em ajudar pessoas independente do que está no edital, comprometido com o ser humano e não com formulários, números e ruídos sonoros. Para ele o que conta é o sangue que corre nas veias, os batimentos cardíacos e não o eletrocardiograma. Caro fiscal Rodolfo Nery, acredito que você deveria trabalhar como voluntário nesta instituição para tentar entender melhor o que é a vida já que o regimento interno você já sabe de cor e o usa com toda a sua desumanidade
Meu nome é Daniella, sou pedagoga, especialista em deficiências da áudio comunicação. Trabalho diretamente com pessoas surdas e conheço de perto a realidade de não escutar por deficiência e não por ignorância ou prepotência pura.

*Daniella Maria de Oliveira Varela é pedagoga e irmã da médica Gabriela.
Este Blog na pessoa do s eu dono: Sidnei Rodrigues de Faria lamenta o ocorrido com Gabriela e desejo que a UFMT tenha senso de justiça e que a médica possa o mais breve possível sentar-se frente à prova de revalidação e terminar a tarefa que lhe foi impedida pelo autoritarismo do senhor fiscal no domingo último.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009


O 11 de setembro de 2001 que eu vi em Cuba

"Yo soñé con aviones que entre si se matavan y nublavan el día..."

Sylvio Rodriguez

Lembro que era manhã e estava caminhando por um dos gramados da ELAM quando ouvi gritos que vinham dos edifícos de dormitórios. Não entendi o que era, mas o instinto fez-me caminhar mais rápido em direção a um dos prédios já que em vários deles haviam gritos de surpresa.

Quando cheguei ao local onde fica a carpeteira, uma espécie de secretária que cuida da entrada dos dormitórios, minha surpresa aumentou ao ver várias pessoas ao redor da TV e nela viam a cena de um edifício que pegava fogo.

Parecia para quem estava recém chegado um filme na qual a imagem não tinha aquela visão artificial à qual estamos acostumados no cinema, nem havia música. Não era filme. vi ao vivo como muita gente no mundo quando o segundo avião atingiu a uma das Torres Gêmeas de Nova Iorque.

Fiquei em silêncio tentando entender o que havia acontecido e sem muitas informações concluí que os EUA haviam naquele dia colhido uma parte de toda a opressão e ódio que haviam semeado pelo mundo. Porém e desde o primeiro momento tive noção disso, de que pessoas inocentes haviam sido feridas e mortas ali.

Nesta mesma tarde minha professora de Medicina Geral Integral a Dra. Sany Arandi Canosa pediu-me como chefe do grupo de estudos que emitisse minha opinião sobre o fato para nossa turma. Lembro apenas que lamentei que naquele dia estivessem derramando sangue inocente e incentivando o ódio no mundo e que éramos privilegiados por estar juntos ali naquela escola onde tantas pessoas de mais de 24 países e centenas de etnias conviviamos de modo fraternal graças à solidariedade de Cuba preparando-nos para regressar a nossas comunidades para cuidar de nossa gente.

Os alunos e alunas dos EUA foram reunidos para o caso de necessitar uma retirada de urgência deles da ELAM e também para receberem informações sobre amigos e familiares que viviam em Nova Iorque. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. Evelyn Rickson e Melissa Barber, minhas amigas tinham família por lá e a própria Evelyn havia trabalhado ao lado das Torres.

Cuba ofereceu ao governo dos EUA seus aeroportos para receber os voos que foram desviados da Big apple, também mobilizou milhares de doadores de sangue para enviar a oferta ao país vizinho e ainda ofereceu formalmente ao presidente George W. Bush os bombeiros cubanos para ajudar no resgate às vítimas do atentado. Não houve resposta de Washington ao oferecimento cubano. Era preferivel ver americanos morrerem sem assistência que abrir mão do orgulho de opressor imperial. Médicos cubanos já trabalharam em todas as latitudes do planeta sem nenhuma pretensão política de Cuba, apenas por solidariedade com o bem supremo de cada ser humano sua vida e sua dignidade. Assim teria sido o trabalho de médicos e bombeiros na atenção às vítimas do atentado. Morreram nele 2759 pessoas.


Neste mesmo dia Fidel condenou o ataque às Torres Gêmeas condenando todo tipo de terrorismo e afirmando que este é uma forma de luta cega que naõ pode ser aceita como forma de luta política. E ainda previu que duros tempos se avizinhavam para o mundo. Mais de um milhão de Iraquianos mortos, milhares de estadounidenses e afegãos, mais as vítimas de atos de terrorismo na Espanha e outros lugares e até um eletrecista de Minas Gerais morto pela polícia inlglesa em Londres confundido com um terrorista confirmaram a previsão de Fidel Castro.
Cuba convidou os EUA e a ONU para discutir sobre como combater o terrorismo de estado e de grupos radicais. A opção dos falcões da guerra de Washington foi outra. E sem o aval da ONU atacou ao Afeganistão.

Até hoje seguem muitas e muitas dúvidas sobre o que de fato aconteceu frente aos nossos olhos vendo à televisão naquela manhã de 11 de setembro de 2001. Isso é o que me lembro.

Uma causa justa para defender e a esperança de seguir em frente
Fidel Castro Ruz
Durante as últimas semanas, o atual Presidente dos Estados Unidos se empenha em demonstrar que a crise está cedendo como fruto de seus esforços para enfrentar o grave problema que os Estados Unidos e o mundo herdaram do seu antecessor.
Quase todos os economistas fazem referência à crise econômica que se iniciou em outubro de 1929. A anterior havia sido no final do século XIX. A tendência bastante generalizada nos políticos norte-americanos é a de crer que tão breve quanto os bancos disponham de suficientes dólares para engraxar a maquinaria do aparato produtivo, tudo marchará em direção a um idílico e sonhado mundo.
As diferenças entre a chamada crise econômica dos anos 1930 e a atual são muitas, porém, me limitarei somente a uma das mais importantes.
Desde o final da Primeira Guerra Mundial o dólar, baseado no padrão outro, substituiu a libra esterlina inglesa devido às imensas somas de ouro que a Grã Bretanha gastou na guerra. A grande crise econômica aconteceu nos Estados Unidos apenas 12 anos depois daquela guerra.
Franklin D. Roosevelt, do Partido Democrata, venceu em boa medida ajudado pela crise, como Obama na crise atual. Seguindo a teoria de Keynes, injetou dinheiro em circulação, construiu obras públicas como estradas, represas e outras de inquestionável benefício, o que incrementou o gasto, a demanda de produtos, o emprego e o PIB durante anos, porém não obteve os fundos imprimindo dinheiro. Os obtinha com impostos e com parte do dinheiro depositado nos bancos. Vendia bônus dos Estados Unidos com juros garantidos, que os fazia atrativos para os compradores.
O ouro, cujo preço em 1929 estava a 20 dólares onça Troy, Roosevelt o elevou a 35 dólares como garantia interna das notas de dólar. Sobre a base desta garantia em ouro físico, surgiu o Acordo de Bretton Woods em julho de 1944, que outorgou ao poderoso país o privilegio de imprimir divisas convertíveis quando o resto do mundo estava arruinado. Estados Unidos possuía mais de 80% do ouro do mundo.
Não necessito recordar o que veio depois, desde as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima y Nagasaki, ─acaba de cumprir 64 anos deste genocídio-, até o golpe de Estado em Honduras as sete bases militares que o governo dos Estados Unidos propõe instalar na Colômbia. O real é que em 1971, na administração de Richard de Nixon, o padrão ouro foi suprimido e a emissão ilimitada de dólares se converteu na maior estafa econômica da humanidade. Em virtude do privilégio de Bretton Woods, os Estados Unidos ao suprimir unilateralmente a conversibilidade de dólares em ouro, paga com papéis os bens e serviços que adquire no mundo. É certo que em troca de dólares também oferece bens e serviços, porém também é certo que desde a supressão do padrão ouro, o dinheiro deste país, EUA, que se cotizava a dólares a onça Troy, perdeu quase 30 vezes seu valor e 48 vezes o valor que tinha em 1929. O resto do mundo sofreu as perdas, seus recursos naturais e seu dinheiro custearam o rearmamento e as guerras do império norte-americano. Basta sinalizar que a quantidade de bônus vendidos pelo tesouro dos EUA a outro países supera a cifra de 03 trilhões de dólares e a dívida pública, que segue crescendo, ultrapassa a cifra de 11 trilhões de dólares.
O império e seus aliados capitalistas, ao mesmo tempo em que competem entre si, fizeram crer que as medidas anticrise constituem as fórmulas salvadoras. Porém, Europa, Rússia, Japão, Coréia, China e a Índia não arrecadaram fundos vendendo bônus de seus tesouros nem imprimindo dinheiro e sim aplicando outras fórmulas para defender suas moedas nacionais e seus mercados, algumas vezes com grande austeridade de suas populações. A imensa maioria dos países em desenvolvimento da Ásia, África e Ámérica Latina é a que paga os pratos quebrados da festa do capital, fornecendo recursos naturais não renováveis, suor e vidas.
O Nafta (Tratado de livre comércio entre México, EUA e Canadá) é o exemplo mais claro do que pode ocorrer com um país em desenvolvimento diante do nariz do lobo: nem soluções para os imigrantes nos Estados Unidos, nem autorização para viajar sem visto ao Canadá pode obter o México na última Cúpula do Nafta.
Adquire, porém, plena vigência sob a crise o maior acordo de livre comércio mundial: a Organização Mundial de Comércio, que cresceu sob as notas triunfantes do neoliberalismo, em pleno apogeu das finanças mundiais e os sonhos ilusórios de um capital desregulado.
Por outro lado, a BBC Mundo informou dia 11 de agosto, que mil funcionários da Organização das Nações Unidas, reunidos em Bonn, Alemanha, declararam que buscam o caminho para um acordo sobre as mudanças climáticas em dezembro deste ano, porém, que o tempo está acabando.
Ivo de Boer, O funcionário de mais importante da ONU sobre as mudanças climáticas, disse que faltavam apenas 119 dias para a cúpula e temos “uma enorme quantidade de interesses divergentes, escasso tempo de discussão, um documento complicado sobre a mesa (duzentas páginas) e problemas de financiamento…”
“As nações em desenvolvimento insistem em que a maior parte dos gases que produzem o efeito estufa provém do mundo industrializado.”
O mundo em desenvolvimento alega a necessidade de ajuda financeira para lidar com os efeitos climáticos.
Ban Ki-moon, secretário geral das Nações Unidas, declarou que: “Se não se tomam medidas urgentes para combater as mudanças climáticas poderão levar à violência e a distúrbios em massa em todo o planeta.”
“As mudanças climáticas intensificarão as secas, inundações e outros desastres naturais.”
“A escassez de água afetará a centenas de milhões de pessoas. A desnutrição irá arrasar com grande parte dos países em desenvolvimento.”
Um artigo do The New York Times no dia 09 de agosto explicava que: “Os analistas vêm nas mudanças climáticas uma ameaça para a segurança nacional.”
“Semelhantes crises –continua o artigo- provocadas pelo clima poderiam derrubar governos, estimular movimentos terroristas ou desestabilizar regiões completas, afirmam analistas do Pentágono e de agências de inteligência que pela primeira vez estão estudando as implicações das mudanças climáticas na segurança nacional.”
“‘Se torna muito complicado rapidamente’, disse Amanda J. Dory, Secretaria de Defesa Adjunta para Estratégia, que trabalha com um grupo do Pentágono designado para incorporar as mudanças climáticas no planejamento da estratégia nacional de segurança.”
Do artigo do The New York Times se deduz que no Senado norte-americano nem todos estão ainda convencidos de que se trata de um problema real, ignorado totalmente até agora pelos governos dos Estados Unidos desde que se aprovou a 10 anos em Kyoto no Japão.
Alguns falam de que a crise econômica é o fim do Imperialismo; talvez Deveríamos perguntar se não significa algo pior para nossa espécie.
Ao meu juízo, o melhor sempre será ter uma causa justa para defender e a esperança de seguir em frente.
Fidel Castro Ruz, 83, é advogado e ex-presidente de Cuba.
Tradução de Sidnei Rodrigues de Faria. O texto original em espanhol pode ser encontrado em http://www.cubatebate.com.cu/

quarta-feira, 2 de setembro de 2009



Izabel


“Isabel
pense em mim.
“Nossos dias de sol

eram assim”
Paralamas do Sucesso.

Iraílio passava o dia de cara amarrada, a boca murcha sem dentes. À noite tirava a roupa e ficava na cama deitado em posição fetal gritando por Izabel ou Isabel balançando a cabeça. Não sabíamos quem era. Pela manhã as queixas das enfermeiras por causa das fezes pelo chão, paredes e a urina no colchão. Não tocava a comida, jogava tudo ao chão, parecia criança desconsolada e enfurecida.

Já não caminhava. Nem conhecia a ninguém. Não tinha filhos ou parentes e apenas a uma enfermeira permitia que lhe desse banho e sopa. Nem mesmo com ela falava apenas ficava pacífico enquanto ela indiferente aos queixumes dele lhe enchia as colheres com a sopinha de arroz. O resto do tempo passava sentado na varanda da enfermaria.

Parecia distante. Olhando para o pavilhão em reforma. Estaria acompanhando o canto dos Bem te vi? Quando alguém se aproximava expulsava os desavisados exceto as enfermeiras dedicadas que nem ligavam para suas brigas.

Certa vez curioso pela história do homem que todos diziam intratável, fui vê-lo. Fiquei alguns minutos por ali perto dele, esperando alguma reação, não disse nada. Depois de longo tempo olhando para longe em outra conexão virou-se para mim e olhou-me nos olhos sem saber quem eu era. Era um olhar vazio de razão e nem mesmo se quisesse poderia dizer-me quem era, o que vivera, quais eram seus amores, seus sonhos e seus medos. Ainda assim eram olhos cheios de vida e sentimentos. Vi neles o desejo de viver de fazer coisas que a vida não lhe permitiria a viver novamente ou vivê-las pela primeira vez. Não voltei a vê-lo.

Mudei de enfermaria e soube semanas depois que havia falecido por pneumonia. Só na enfermaria recebendo e aceitando todo amor, o cuidado do banho, ser levado para tomar sol e tomar sopa pelas mãos de uma mulher desconhecida, uma enfermeira. Quantas vezes nossa sorte e nossas vidas mesmo estão nas mãos de totais estranhos para nós? Quantas pessoas tem a vida salva por um ato de solidariedade de alguém que resolve ajudar depois de um acidente. Outros desistem de matar-se ao encontrarem outra pessoa que esteja aberta a uma conversa. Tanto chegam desacordados aos serviços de saúde e a sorte destes depende de maqueiros, enfermeiros, médicos, técnicos de laboratório e tantos outros. Para os que cuidam da vida com amor sempre é dia de luta e nunca de desistir de viver e de cuidar.

O médico que preencheu o certificado de defunção contou-me depois, que descobriu nos documentos de Iraílio quem era Izabel, a mãe falecida quando ele tinha 15 anos de idade.

Suas opiniões são bem vindas. lamarcacuba@gmail.com