terça-feira, 21 de julho de 2009


Monólogo de Orfeu
Orfeu da Conceição é uma peça de Vincius de Moaraes. A peça se tornou filme no qual Toni Garrido é o Orfeu na refilmagem dos anos 1990 e há uma versão mais antiga que não conheço. Trago para o Blog um dos trechos mais bonitos do primeiro ato da peça, em que Orfeu sobressalta-se quando Eurídice lhe diz "Até, neguinho. Volto num instante".Orfeu tem um mau presságio, e pede à amada que não o deixe. Eurídice responde: "Meu neguinho, que bobagem! E' um instantinho só. Volto com a aragem..."

Orfeu: Ai, que agonia que você me deuMeu amor! que impressão, que pesadelo!Como se eu te estivesse vendo mortaLonge como uma morta...

Eurídice:
Morta eu estou.Morta de amor, eu estou; morta e enterradaCom cruz por cima e tudo!

Orfeu (sorrindo):
Namorada!Vai bem depressa. Deus te leve. AquiFicam os meus restos a esperar por ti.

Que dás vida!

(Eurídice atira-lhe um beijo e sai).

Mulher mais adorada! Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços!
Te enrustiste Em minha vida; e cada hora que passa
E' mais porque te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa?
cada vez Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, - que é que eu sei! essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu,
Orfeu; tudo isso Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem - nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! e me dizes essas coisas
Que me dão essa fôrça, essa coragem
Esse orgulho de rei.
Ah, minha Eurídice Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível!
A existência Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! criatura! quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que êle, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que eu estarei contigo!

Um comentário:

  1. O amor é o sentimento por excelência!
    Poucos conseguem despir-se de sentimentos menos dignos para sentir o outro e, entregar-se por inteiro.

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